Raimundo Marreiro

A DEFESA DE OSCAR DE TAL

 

 

    Aqui reproduzimos uma autêntica peça jurídica. No ano de 1965, o poeta popular Raimundo Marreiro, defendeu o réu Oscar de Tal, vulgo Nó de Cana. O mesmo ao final do julgamento foi absorvido. O Juiz da comarca de Canindé, Dr. José Palácio de Queiroz autorizou a defesa, que foi escrita e proferida na sessão do juri.


"Raimundo Rodrigues Marreiro, pela peça que elaborou, vê-se que é poeta de ocasião, bem inspirado, sabendo manejar o verso com bastante propriedade. A defesa do réu perante o júri, que afinal o absolveu, não vale só por eventual curiosidade poética, mas pela justeza da sua fatura, em que se nota a aplicação do autor, legítima, em favor de uma causa nobre." Site: jangada Brasil

 

 

"Meretríssimo doutor Magistrado
Nobre e ilustre promotor,
Digno Conselho de Jurados,
Nesta tribuna aqui estou,
Não venho em súplica profana,
Em nome do réu Nó de Cana
Pedir algo a seu favor;

Alguém julga que eu quiz
Aqui me salientar
Mas foi o ilustre juiz
Que me mandou convocar,
Sem pretensões ou cobiça,
Obediente à Justiça,
É que venho auxiliar;

Todos sabem que o acusado
Por miserável que for,
Não poderá ser julgado
Sem que tenha um defensor;
Esta é a justa razão
Da minha convocação
Pelo magistrado doutor.

Não sou togado doutor
Sou do povo simplesmente,
Rogo ao ilustre promotor
Ser um tanto complacente,
Não debater contra mim
Acusando este "nozim"
Tão impiedosamente.

Disse Jesus nesta terra
Verdades essenciais
Castigai aos que erra,
E para o mundo ter paz
Morreu nas mãos dos judeus,
Dizendo, perdoa-lhes, meu Deus!
- porque não sabem o que fazem!

O Conselho de Jurado
Tem muita dignidade
Para refletir que o acusado
Teve esta infelicidade
Por capricho do azar
De um crime praticar
Ainda em menor idade.

Às vezes o pai de família
Despreocupadameflte
Tem um filho, uma filha,
De menor e inocente,
Por descuido ou vadiagem
Fazem cada traquinagem
Que nos pesa amargamente.

O crime foi uma ação,
De uma violência brutal,
Por falta de uma educação
Ou seja: no caso um anormal,
Mais o principal agente
Foi a terrível aguardente
Grande causa deste mal.

É uma mágoa dorida
Naquele a quem recai
São tristes fatos na vida
Que mais distante vai,
Abatendo ou provocando,
E sempre martirizando
O coração de um pai.

Observo as posições
Dos dois pais angustiados
Cada qual, em conclusão,
É um desventurado
Que não encontra conforto;
Aquele tem um filho morto
E este, um encarcerado.

Aquele, que o filho morreu,
Foi grande a dor. É verdade.
Do que o crime cometeu
Vive na infelicidade
O pai deste acusado
Que luta desesperado,
Pela sua liberdade.

Por ele "fora do trilho"
Luta com justa razão
Porque afinal este é filho
É corda de seu coração;
Lamenta o pobre velhinho:
"Vive preso meu filhinho,
Que é meus pés, minha mão".

Elogiar o acusado
Não é este meu intento...
Só quero deixar provado
Agora neste momento
Que ele como primário,
Ali no presidiário,
Tem ótimo comportamento.

Pra trabalhar em roçado
Tem o seu justo valor
Quando é requisitado
Seja lá quem for,
Sempre apresenta vantagem,
Com vigor e com coragem
De um homem trabalhador.

Com a devida permissão,
Na sua casa sempre vai,
Com gosto e satisfação
Ajudando o velho pai,
Como um filho dedicado,
Estando sempre a seu lado
Prá outro canto não sai.

Assim vive Nó de Cana
Sem preferir a "coisa feia".
Durante toda semana
Vai trabalhar na aldeia
Tem um dever a cumprir:
Aos sábados, tem que vir
Para dormir na, cadeia.

Quando tem a liberdade,
De andar solto algum dia,
Nos bairros desta cidade,
Nunca provoca anarquia
É muito importante isto:
É que ele nunca foi visto
Lá no Buraco da Gia...

Gosta muito de amar
Pretende até ser casado
Se acaso então casar
Já não será um transviado
Possuindo uma mulher,
A vida que ele quer
É de casa para o roçado

O Conselho de Sentença
Tem esta razão segura
Em dispensar a demência
A esta infeliz criatura,
Com o fim de ajudar
Ao pobre que vive a dar
Produção na agricultura

Não vão se impressionar
Com os boatos da massa,
Importa é analisar,
Que o "pivot" foi a cachaça
No fato delituoso
Pois não consta um criminoso
Em um membro desta raça.

Ao ilustre Magistrado
Presidente da Seção
Que me fez advogado,
Cumprindo a minha missão
Eu solicito o seguinte:
Para o meu constituinte
A mínima condenação.

Quando entro na questão
De ganhar tenho cobiça
Não mantenho distinção
Com gente branca ou mestiça
Enfrento firme e disposto.
Se perder não terei gosto
De auxiliar a Justiça.

Assim, senhores jurados,
Vosso dilema aqui está:
Pois não fostes convidados
Somente para condenar.
Eis o provérbio romano:
Que "errar é humano"
Mas é sublime perdoar.

Os quesitos a responder
Sei que nenhum se engana
Querendo favorecer
A esta pessoa humana...
A consciência vos diz:
- Vamos livrar este infeliz,
O réu Oscar Nó de Cana!

No papel de advogado
Incumbido que me acho
Faço apelo ao jurado
Coperem com o meu relacho
Numa ação magna e serena
Lhe concedendo esta pena
De uns quatro anos abaixo.

E para fim de conversa,
Afirmo de boa-fé
Que se Oscar sair dessa
Não volta a ser o que é...
Se acaso voltar a ser,
Jamais hei de defender
Homem baixo e batoré.

E aqui eu me despeço,
Volta quem fala melhor,
Quem acompanhou o processo,
E explica tudo de cor...
Se eu disse algo errado
Ele devia ter puxado
Na aba do meu paletó...

Peço desculpas aos senhores
Se disse muitas asneiras...
Tive poucos professores
E nunca alisei carteiras,
Não tenho prata nem ouro,
Minha vida é vender couro,
Malas, pneu e baladeiras!"

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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